As ligações indesejadas tornaram-se uma irritação constante, apesar das proteções garantidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados. Telemarketing agressivo, cobranças equivocadas e golpes telefônicos persistem, ignorando os direitos básicos à privacidade.
Neste artigo, você descobrirá como utilizar efetivamente essas legislações a seu favor, conhecendo ferramentas legais e práticas que finalmente permitirão barrar chamadas indesejadas, garantindo que seus dados pessoais sejam respeitados conforme determina a LGPD.
O Que é a LGPD?
A LGPD ou Lei Geral de Proteção de Dados, é o nome dado à Lei 13.709/2018, aprovada em 14 de Agosto de 2018 e que tem como objetivo dispor sobre a proteção de dados pessoais, bem como regular aspectos dos direitos fundamentais à privacidade e à intimidade descritos no art. 5º da Constituição Federal, em seus incisos X e XI.
A LGPD surgiu em nosso país por iniciativa do Congresso Nacional como evolução e regulamentação da Lei 12.965, de 2014, também conhecida como Marco Civil da Internet, que veio regular o uso e aplicação da internet no Brasil.
Apesar de ter recebido o nome de Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD não se preocupa com todo o qualquer dado, que assim pode ser tido como qualquer informação ou pedaço de informação.
A LGPD, tem como objeto de regulação o dado pessoal, ou seja, aquela informação que pode identificar ou tornar identificável uma pessoa física.
Essa legislação específica veio regulamentar a utilização de dado pessoal, expressão esta conceituada no artigo 5º, inciso I, da Lei, que descreve dado pessoal como sendo “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”.
Além deste conceito, a Lei Geral de Proteção de Dados preocupou-se em conceituar um tipo específico de dado pessoal, a quem escolheu empregar maior nível de proteção em razão de sua natureza, o dado pessoal sensível, que foi assim descrito art. 5º, inciso II:
“dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.”
Entender a conceituação do objeto de proteção da Lei Geral de Proteção de dados, ou seja, quais dados são protegidos pela LGPD, é essencial para entender o seu objetivo, que, ao contrário do que muitos especularam, não é o de burocratizar a forma como empresas e órgãos públicos tratam dados, mas sim, regular a coleta, utilização, processamento e descarte dos dados das pessoas, que na Lei são nominadas como titulares de dados pessoais.
Se você tem alguma dúvida sobre a LGPD, nossa equipe de especialistas está pronta para esclarecê-las. Não deixe de nos contatar.
Direito dos consumidores em relação à LGPD
O Código de Defesa do Consumidor é uma lei bastante anterior à LGPD e mesmo que não mencione expressamente a expressão “proteção e privacidade de dados pessoais” dos consumidores, pode ser considerado para interpretação da norma ao assunto relacionado.
No referido diploma legal, inclusive encontramos normatização a respeito de bancos de dados de consumidores e sua utilização, vejamos:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
- 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
- 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
- 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
Este dispositivo legal está intimamente ligado ao que prescreve a LGPD a respeito do princípio da qualidade dos dados, do direito do titular à confirmação do tratamento, bem como da correção de seus dados.
Podemos encontrar no art. 54-D do Código de Defesa do Consumidor outro dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que menciona expressamente a questão de proteção de dados.
Este dispositivo, que trata da oferta de crédito ao consumidor, determina que tanto o fornecedor do crédito, quanto o intermediador da oferta deverá observar o disposto na legislação de proteção de dados vigente.
Portanto, fica claro que o Código de Defesa do Consumidor é a legislação de apoio à LGPD na defesa da proteção dos dados de consumidores.
Ainda sobre este tema, importante mencionar que, ao contrário da LGPD, que não menciona penalidades criminais em seu texto legal, mas apenas a reparação de danos civil em seu artigo 42, o CDC prevê expressamente crimes imputados a quem descumpri-lo. Vejamos:
Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Deste modo, além de todos os direitos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, é certo que a proteção de dados do consumidor também é compatível com a proteção objetivada pela legislação.
Assim, o consumidor que tiver seus dados violados pode buscar também na legislação consumerista o embasamento legal para a reparação dos danos experimentados, tanto na esfera cível, quanto na esfera criminal.
O Papel das Empresas na Proteção de Dados
Toda empresa instalada em território nacional ou fora dele, mas que realize tratamento de dados de brasileiros, independentemente de seu tamanho ou configuração, tem por obrigação se adequar às regras da Lei Geral de Proteção de Dados.
Apesar de também se aplicar aos órgãos públicos, é certo que o grande fator de motivação da LGPD está na iniciativa privada e na exploração econômica dos dados pessoais dos consumidores.
Vivemos na era da “Sociedade da Informação”, onde obtém vantagens econômicas e comerciais as empresas que mais e melhor exploram os dados disponíveis.
Surgida no contexto da pós-modernidade, essa sociedade da informação é essencialmente informativa e comunicacional, e se pauta nos avanços da microeletrônica, optoeletrônica e multimídia.
Adquirir, armazenar, processar e disseminar informações são as situações básicas de nossa sociedade, e, por este motivo, foi necessária a vinda da Lei Geral de Proteção de Dados para regular a forma como estas atividades acontecem.
As empresas, que já se submetiam ao Código de Defesa do Consumidor na oferta de produtos e serviços aos seus clientes, possuem como obrigação adicional o respeito às regras de proteção e privacidade de dados previstas na LGPD e relacionadas aos seus clientes.
Armazenar e processar dados pessoais com a finalidade de operacionalização de sua atividade empresarial não é um problema e, inclusive, esta operabilidade das informações é prestigiada pela Lei Geral de Proteção de Dados.
O grande problema acontece quando este armazenamento e processamento de dados pessoais é incompatível com as garantias fundamentais de proteção da vida íntima e da privacidade dos consumidores.
Várias são as práticas realizadas nos dias de hoje que claramente ferem o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados.
Oferta indiscriminada de crédito ou de serviços, cobranças abusivas, comercialização de dados pessoais são muito presentes na vida de todo e qualquer cidadão e o entendimento da violação de seus direitos em decorrência destas práticas é essencial.
Quantas vezes já escutamos histórias de pessoas que souberam do deferimento de seus benefícios previdenciários por meio de empresas oferecendo créditos consignados?
Quantas vezes ao dia recebemos ligações de ofertas de produtos e serviços por empresas com as quais nunca nos relacionamos, nem mesmo fornecemos os nossos dados ou autorização para que nos ligassem?
A realidade por trás dessas práticas pelas empresas é a aquisição de dados por meio não lícitos, em total desrespeito ao princípio básico da licitude na obtenção dos dados tratados.
Dentro de instituições com grande volume de processamento de dados existem práticas recorrentes de vazamentos de dados por colaboradores que se aproveitam do acesso privilegiado aos bancos de dados para auferirem lucros vendendo essas informações.
A engenharia social também é fonte de obtenção destes dados, levando consumidores ao erro em contatos aparentemente inofensivos, por ligações e e-mails, por meio dos quais são fornecidos ou confirmados seus dados pessoais.
É claro que algumas atividades são lícitas e guardam relação com os direitos das empresas, como, por exemplo, as ligações de cobrança.
Apesar de indesejadas, essas ligações não são indevidas e estão respaldadas no direito das empresas de receberem seus créditos. Mais adiante falaremos melhor a respeito deste assunto.
Ligações indesejadas: como agir e parar de receber?
As ligações indesejadas são aquelas ligações realizadas por empresas com o objetivo de oferecer produtos ou serviços, ou seja, as ligações de telemarketing.
Geralmente essas ligações são realizadas por meio de empresas de telecomunicações terceirizadas (call centers), contratados para fazer o maior número de acionamentos possível.
A agência responsável por regular as telecomunicações no Brasil, é a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, que, a respeito deste tipo de ligações já editou diversas normativas, sem, porém, muita efetividade.
Um exemplo de regulação deste tipo de situação é a Resolução 632/2014 da Anatel, que regula os direitos dos consumidores de serviços de telecomunicações e estabelece regras sobre atendimento, cobrança e oferta de serviços.
Além desta regulamentação, recentemente a ANATEL estabeleceu que todas as empresas que realizam mais de 10 mil ligações por dia devem utilizar números com o prefixo 0303.
Essa regra tem como objetivo combater o telemarketing ativo, facilitar a identificação de chamadas de telemarketing e empoderar o consumidor no seu direito de identificar o chamador, permitindo, inclusive, bloquear chamadas indesejadas no celular.
Infelizmente, porém, é muito comum vermos o descumprimento dessa regra, causando na vida dos consumidores um verdadeiro tormento com ligações insistentes e que, em muitos casos, ao serem atendidas, são interrompidas, por serem ligações feitas por robôs.
Ao ver-se vítima desta situação, o consumidor poderá valer-se de algumas medidas para ver solucionada a situação. A primeira delas é fazer o bloqueio das ligações de telemarketing diretamente no seu celular através da agenda ou de um aplicativo específico.
A segunda é por meio do cadastro do consumidor na Plataforma Não me Perturbe, fornecida pela Anatel, onde o proprietário da linha valer-se-á de um formulário que descadastramento de ligações que deve ser observado pelas empresas de telefonia e de telemarketing.
Além desta plataforma, alguns Procons ou órgãos de defesa do consumidor estaduais e municipais oferecem ferramentas locais com a mesma finalidade de bloquear o recebimento de chamadas indesejadas.
Cadastro na Plataforma Não me Perturbe
A Plataforma Não me Perturbe é fornecida pela Anatel, para que o consumidor cadastre-se com a finalidade de não mais receber ligações. Esse cadastro, após prazo de adaptação, deve ser observado pelas empresas de telefonia e de telemarketing, sob pena de penalidades.
Sempre que se valer deste recurso, é importante que o consumidor guarde o protocolo de solicitação de interrupção das ligações de telemarketing para que, após o prazo de adaptação, possam reclamar seus direitos em caso de desrespeito à sua vontade.
Ligações indevidas: como provar?
Podemos considerar como indevidas, aquelas ligações que tem como objetivo o oferecimento de produtos e serviços cuja recusa já foi manifestada pelo consumidor ou aquelas ligações cujo destinatário não é o consumidor, isto já foi informado, mas a empresa insiste em acioná-lo.
Para comprovar o recebimento de ligações indevidas, é necessário que o consumidor registre o histórico das ligações, bem como grave o conteúdo das mesmas como prova de que não é o destinatário correto ou de já recusou o serviço oferecido.
Uma ligação indevida é aquela em que, a princípio, a empresa teria o direito de fazê-la, mas que vem sendo feita em abuso a este direito.
São situações de cobranças indevidas ou de ofertas de serviços que já foram motivadamente recusados, mas ainda continua-se a insistência na venda, trazendo mais que um transtorno ou um incômodo ao consumidor, um verdadeiro dano ao seu dia a dia.
Existem processos judiciais, onde houve a consumidora lesada comprovou que uma empresa de telemarketing ligou mais de vinte vezes durante uma única hora buscando recebimento de um débito que sequer era devido pela consumidora.
Essas ligações podem gerar ao consumidor o direito a receber uma indenização por danos morais, considerando que comprovadamente atrapalham o desenvolvimento das atividades rotineiras como trabalho, estudo e responsabilidades domésticas.
Entretanto, não é demais lembrar que ligações de cobrança são um meio legítimo para cobrança de dívidas e são consideradas legais, desde que não mostrem-se abusivas.
Se o consumidor de fato possui uma dívida com uma empresa e não cumpre com o seu dever de adimplemento do débito, não há impedimento de que receba este tipo de ligação.
Aliás, a própria Lei Geral de Proteção de Dados autoriza o tratamento de dados pessoais para proteção do crédito, sendo essa uma das suas bases legais de tratamento, sendo desnecessário, como muitos pensam, que o consumidor autorize tal medida.
Quantas ligações por dia é considerado abuso?
Não existe uma lei ou normativa que delimite o número de ligações, mas, se se tratar de uma cobrança indevida ou uma ligação oferecendo produtos cuja recusa já foi manifestada, uma ligação basta para que se configure o abuso contra o consumidor.
Também serão consideradas abusivas quando acontecerem em horários inapropriados ou interferirem no trabalho, descanso ou lazer do devedor ou quando o ridicularizaram, constrangem ou ameaçam.
Alguns Estados do Brasil, possuem normativa estadual regulando estes serviços, mas, em regra geral, as ligações só podem ocorrer de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h, sendo proibidas nos sábados, domingos e feriados.
Mesmo aquelas ligações com o objetivo de cobrar dívidas existentes de fato ou cuja recusa ao produto ainda não foi manifestada, serão abusivas se recebidas de forma insistente e em grande quantidade.
Caberá ao consumidor ou devedor comprovar que está recebendo essas ligações em horários inapropriados e que estas ligações estejam comprometendo sua rotina de trabalho, descanso ou lazer para justificar que as ligações excessivas estão lhe gerando um dano moral.
Em caso de necessidade de proposição de uma demanda judicial para pleitear danos morais em razão destas ligações, a empresa abusiva poderá ser interpelada a juntar os históricos de ligações que fez ao consumidor.
Isto porque, o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova, quando o consumidor não tiver condições de produzi-la em sua totalidade, podendo o juiz valer-se também de solicitações de históricos de chamadas para operadoras de telefonia.
Como parar de receber ligações indevidas e onde reclamar?
Além de buscar o auxílio da Plataforma Não me Perturbe para que as empresas de telemarketing não mais realizem ligações para o seu número de telefone, o consumidor que for vítima de ligações abusivas poderá:
- Formalizar reclamação junto ao Procon, onde deverá apresentar todas as ocorrências, anotando a data, horário e conteúdo das ligações
- Solicitar a cessação imediata das ligações administrativamente via Procon ou por meio de ordem judicial;
- Denunciar a prática como assédio junto à entidade reguladora da empresa ou mesmo junto aos órgãos de defesa do consumidor;
- Buscar proteção jurídica.
A empresa que não der cumprimento à interrupção de ligações para o consumidor após o cadastro na Plataforma Não me Perturbe poderá ficar suspensa de fazer ligações por até 15 dias.
Além disso, se comprovado o dano moral, a empresa deverá indenizar o consumidor pelos danos experimentados em razão das ligações abusivas.